sexta-feira, outubro 16, 2009

Reflexões sobre o Nosso Tempo



Reflexões sobre o Terceiro milénio, é o tema de uma breve entrevista , de uma série que publicaremos sobre testemunho de historiadores de referência da historiografia do nosso tempo. Por hoje algumas ideias do melhor historiador português de História Medieval, Licenciado em Filosofia (1957) e Doutor com a tese “Le monachisme ibérique et Cluny. Les monastères du diocèse de Porto de l'an mille à 1200” (1963), Professor Doutor José Mattoso, Catedrático Jubilado, observa o terceiro milénio com preocupação. “Se continuarem a desenvolver-se certos fenómenos de globalização da economia, com a reconhecida incapacidade que o homem tem para se defender de alguns fenómenos, as consequências poderão ser dramáticas. Todas as mutações que conhecemos até aqui incidiam numa parte do planeta. Agora abrangem o conjunto da humanidade. A disparidade entre os países desenvolvidos e os sub-desenvolvidos é de tal modo grande, que isso dificilmente deixará de ter consequências funestas. Os mecanismos que levam a que exista cada vez maior concentração de poder nas mãos das grandes empresas e a necessidade de conceber estratégias para preservar esses poderes levam à exclusão de grandes massas de homens, não só no terceiro mundo, mas também nos próprios ditos civilizados”. Sobre a capacidade de controlar essa mudança? “A humanidade tem-se “safado” sempre (risos). Com custos óbvios, mas a verdade é que tem sobrevivido e ultrapassado as maiores dificuldades. Mas, de ponto de vista racional, dá ideia de que o egoísmo de cada pessoa: possuir mais. É difícil perceber qual será a solução para isso. A não ser que as consequências sejam de tal modo desastrosas, que haja uma catástrofe social tão grande, que os homens sejam obrigados a rever esses mecanismos”. E os exemplos seguem-se: “ Os elementos que poderão desencadear tal catástrofe vão mudando. Por exemplo, há 30 anos tinha-se muito medo da bomba atómica. Actualmente, esse medo é menor porque se tem conseguido que os homens tomem consciência da dimensão dos efeitos nefastos contidos no engenho. A verdade é que não têm faltado ocasiões para utilizar, e isso não sucedeu. O mal que causaria a bomba atómica é demasiado evidente … Já as consequências do actual sistema económico são mais subtis e pulverizadas. A face luminosa da humanidade mantém-se à custa de um lado escuro. Para mudar o rumo da economia seria preciso que as grandes potências se entendessem entre elas ou que os excluídos tivessem capacidade reivindicativa, suficiente para obrigar a alterar o estado das coisas, para impor a justiça social. E não se vê como…Por fim e como humanista admite que o é no sentido global, mas “Sou bastante pessimista em relação à humanidade. Não é por causa do pecado original, é porque na História não consegui ver outras coisas. A Idade Média não foi uma época de justiça social. Os homens resolviam razoavelmente os seus problemas do quotidiano, mas não havia formas de diminuir o sofrimento. Foi uma época de intenso sofrimento para a classe trabalhadora. Não foram as crenças e o grande peso da religião que minimizaram a injustiça social. Quando se procura caracterizar a sociedade em conjunto, os movimentos de altruísmo e o sentido colectivo são de tal forma excepcionais, que não pode considerar-se esses movimentos como aqueles que comandam a humanidade. Sou optimista na medida em que, apesar de tudo conduzir ao egoísmo, continuarão aparecer, nas circunstâncias mais inesperadas e irracionais, movimentos de altruísmo e de capacidade de luta.