sexta-feira, outubro 30, 2009

IX-Terras da Raia de Portalegre:- Caracterização da Nobreza do Distrito






Durante a segunda metade do século XIX a aristocracia tradicional no Distrito de Portalegre limitava-se a pouco mais de uma dezena família. E entre elas, muito poucas eram descendentes da Nobreza de sangue uma vez que uma parte do grupo aristocrático, atingiu a condição de fidalguia em consequência dos processos de nobilitação após a Revolução Liberal do Porto de 1820. Era o caso, de algumas personalidades nomeadamente comerciantes, militares e intelectuais, que acabariam por constituir uma pequena nobreza, por reconhecimento dos seus serviços prestados à Coroa. Sendo estes casos excepcionais, apenas documentados para os centros urbanos da região, era também nas cidades de Portalegre e de Elvas, que se identificavam a aristocracia tradicional. Assim na capital do Distrito, encontramos os Castel Branco ou os Alvilez, cujos herdeiros em 1881 eram os maiores contribuintes do distrito, na cidade fronteiriça do Caia, a realidade aristocrática reduzia-se aos Marqueses de Penalva. Em todo o caso, estas famílias de referência da Nobreza de Portugal, haviam perdido, já alguns dos seus privilégios tradicionais, caso dos direitos feudais e das encomendas, extintas pelas leis de 1821 e 1841 e dos vínculos em 1863. Apesar da perda de parte dos seus privilégios senhoriais, mantinham algumas terras e alguns direitos, como alguns foros que continuavam a persistir. A perda dos velhos direitos feudais, senhoriais, por esta antiga nobreza permitiu a ascensão de uma nova aristocracia de raiz “liberal”, verdadeiros burgueses na essência da sua origem e comportamento, cuja via de enriquecimento era normalmente resultado da participação directa em novas actividades agrícolas, comerciais e industriais. Todavia, tanto a velha nobreza como a nova, em todo o Distrito de Portalegre, tinham em comum a posse de vastas extensões de terra exploradas segundo critérios tipicamente capitalistas, cujo aproveitamento dos seus recursos agrários era feito de forma intensiva e eficiente, sobretudo em muitas propriedades agrícolas que anteriormente estavam em estado de manifesto abandono ou incultos, de resto esta mudança se deveu à política agrária da Regeneração. Nesta época, em terras norte alentejanas, a posse de um título era um factor de valorização e afirmação social, independentemente da natureza do mesmo (social, académico ou até curiosamente de ordem religiosa). Este gosto pelos títulos era notável na cidade de Elvas, assim todos os Presidentes de Câmara, durante a Monarquia Constitucional procuraram obter durante a sua regência política, o título de Comendador da Ordem de Nossa Senhora de vila Viçosa, que utilizavam na vida pública e política. E esta designação, era fundamental para uma posição cimeira no protocolo municipal que estava assim definido: 1º Os militares; 2ºOs comendadores; 3ºOs doutores; 4ºOs representantes das Câmaras; 5º O Escrivão de direito e 6ºAs instituições. Este gosto pelos títulos por parte da nova elite elvense em parte tinha uma justificação bem determinada e que se definia pela sua condição económica, uma vez que uma parte considerável desta pequena aristocracia nobilitada nas décadas de 1830,1840 e 1850, eram reconhecidos como arrendatários de casas nobres como a do Conde Cadaval, Conde de São Martinho e inclusivamente da Casa de Bragança que contudo era mais representativa em termos de património no Distrito vizinho de Évora (CONTINUA).


segunda-feira, outubro 26, 2009

Reflexões sobre o Nosso Tempo.



Vitorino Magalhães Godinho, figura ímpar da historiografia portuguesa e um dos primeiros responsáveis pelo fim do positivismo que marcou durante várias décadas a nossa história, Ministro da Educação em 1974, ex- director nacional da Biblioteca Nacional de Lisboa e com uma vasta bibliografia como académico, deixa-nos algumas reflexões que não devemos ignorar como historiadores e foram várias as gerações que tiveram na sua bibliografia um ponto de encontro, mas também todos nós cidadãos do mundo, enquanto leitores virtuais da blogosfera. E se hoje o Estado liberal é um desafio para os governantes e governados para o notável pensador É verdade que o Estado tem perdido coerência, muito porque se tornaram indefinidas as suas funções. Não sabemos hoje quais são as funções do Estado, na medida em que ele foi efectivamente esvaziado daquelas funções que na primeira metade do séc. XIX tinha estabelecido. De facto , para que serve o Estado? Não sabemos muito bem a não ser, talvez, se supusermos que, na sua maioria, os políticos são ao fim e ao cabo, “caixeiros-viajantes” das grandes máfias internacionais, das grandes empresas, que vão inaugurar empresas fábricas, etc. Penso que não é, nem deve ser a função do Estado – a de reduzir a um mero papel secundário”. E nesta perspectiva o conceito de bem comum está hoje alienado …”A noção de bem comum, aliás, é uma das coisas que desapareceram por completo. Ora, esta situação levou a que se formassem organismos internacionais que têm, por um lado, poderes bastante excessivos (do género dos da Comissão Europeia, quando determina o número de centímetros do carapau!) e, por outro, intervenções na ordem jurídica ou outra perfeitamente descabidas . Então onde se encontra o Estado ….“O Estado abdicou de uma política macro e tem apenas intervenções pontuais. Repare que, com todo o apoio dos analistas, a que se somam as directivas que vêm dos directores dos grandes bancos o que hoje existe é um jogo com apenas duas ou três variáveis. O que é hoje o abre-te sésamo são as taxas de juro, de que o mundo vive suspenso. Os políticos não sabem mais que fazer senão baixar ou subir as taxas de juro”. Por último o Professor Doutor, Vitorino Magalhães Godinho, questiona o Estado Mínimo ….”Pretende-se que cada qual viva por si, sem ser subsidiado. Mas como, se não encontra trabalho? Nos Estados Unidos, actualmente, contam-se cerca de 40 milhões de pessoas que estão em pobreza absoluta, porque tiveram doenças e não havia seguro de saúde. Quando desaparece o subsídio, como é que se mantém o poder de compra, que é a pulsão essencial da economia? Repare-se que, se os instrumentos macroeconómicos são muito reduzidos, visto que o Estado alienou o seu património, os meios que poderiam servir para orientar a vida económica desapareceram…”

domingo, outubro 25, 2009

3.Elvas Portuguesa:- A política régia e a prioridade de fortificação. O Caso de Elvas.





Um dos monarcas que mais se preocupou no contexto do crescimento demográfico e da evolução da vila de Elvas, foi sem dúvida, D. Dinis, que na continuidade da política iniciada por D. Afonso III, procedeu ao aforamento de parte do território da vila não urbanizada para a construção de casas e tendas. Porém há que distinguir a postura de D. Afonso III e D.Dinis, o primeiro apesar de favorecer a expansão das vilas e cidades, beneficiou a aristocracia nortenha, quando doou aos grandes do reino como João Peres Aboim e Estevão Annes, um conjunto de bens, da igreja e do concelho de Elvas, aos referidos ricos- homens. Todavia esta acção de arrendamento da propriedade régia beneficiou de forma especial os núcleos urbanos de Lisboa, Elvas, Guarda e Guimarães, numa época em que o crescimento demográfico implicava uma reestruturação dos espaços ocupados primitivamente. Mas defesa e a fortificação da vila foram uma prioridade de D. Afonso III e continuava no reinado de D. Dinis, sendo Portalegre a sua preocupação em termos da arte de fortificar. Mas, a prioridade do “Rei Lavrador”, em fortificar as terras da raia a Norte com a Galiza e a sul com Castela, foi um acto presente no espírito dos nossos reis medievais. A documentação refere várias intervenções no Castelo de Elvas, por carta régia de 16 de Julho de 1361 foi promulgada o imposto da “adua”, para a cava de Elvas que devia ser financiada pelos moradores e vizinhos do reguengo da vila ; D. Afonso IV por carta régia de 4 de Março de 1378 referia-se a necessidade de reparar a cerca velha e da necessidade de realizar novas obras no perímetro da área fortificada com a finalidade de edificar a cerca nova. Esta fonte histórica da Chancelaria Régia da época D. Fernando, refere-se ainda que tais obras deveriam ser sustentadas pelos habitantes do lugar no valor de 140 soldos para os “carretos de cal e de braças de pedra”. A barbacã de Elvas uma obra interior junto à porta do Castelo, constituiu a obra mais polémica do ponto de vista da fortificação do castelo elvense, logo denunciada ao monarca D. Afonso V em 1439, uma vez que a população elvense, recordava ainda a difícil rendição do alcaide-mor do castelo, que durante a Crise de 1383-1385 procurou entregar o dito a D. Beatriz em função do referido obstáculo, que derrubado nos tempos de D .João I, estava agora de novo levantado por iniciativa do alcaide Diogo Lopes de Sousa. A solução encontra-se registada noutra carta régia, dirigida a D. Pedro ( filho do regente com o mesmo nome) que era então o proprietário senhorial do Castelo (1439-1448) , com a finalidade de efectuar o derrube definitivo daquela estrutura defensiva. Pela mesma época outras pequenas obras de manutenção ocorreram em várias estruturas defensivas nos arredores e vilas do concelho de Elvas, entre elas destacam-se pelo investimento de 3.000 reis feita por Gonçalo Martins, que a documentação identifica como morador [ Continua.]

terça-feira, outubro 20, 2009

VIII-Terras da Raia de Portalegre : "As classes populares. Síntese das considerações Gerais.



As classes populares constituíam a maior parte da população do Distrito de Portalegre, na fase de transição entre a Monarquia constitucional e a I República, uma parte considerável estava ligada à terra e desenvolvia a sua actividade laboral nas várias herdades dos grandes e médios propriedades da região. Referimo-nos, a uma grande massa de trabalhadores, um autêntico “proletariado rural” que contudo se distinguia de um outro grupo de camponeses procedentes de terras exteriores ao distrito e cujo objectivo era obter um trabalho renumerado sem condições e que depois de fazer a campanha da ceifa nomeadamente nas terras rurais do concelho de Elvas dirigiam-se com o mesmo fim para terras da Extremadura Espanhola. Estes trabalhadores originários dos distritos de Castelo Branco, Viseu e Coimbra, ao contrário dos seus contemporâneos alentejanos ou extremeños, aceitavam trabalhar a troco de salários muito baixos, sobretudo nas planícies espanholas, quando as sucessivas crises económicas (agrárias e subsistência) lançavam parte da mão-de-obra disponível no desemprego. Assim, a pobreza e a miséria eram realidades associadas continuamente à maioria dos indivíduos que se identificavam com as camadas mais baixas da população, por vezes segundo a documentação, em situações muito precárias. Era o caso dos pobres por efeito de alguma incapacidade pessoal, dos desempregados permanentes, das viúvas e dos trabalhadores que eram chefes de família de agregados numerosos. Nesta camada social identificavam-se ainda os chamados “falsos pobres” que viviam exclusivamente de actividades marginais como o contrabando ou viviam na pura vagabundagem. Em suma, há que ter em consideração que a maioria da população do distrito esteve sempre ligada à exploração agrícola e pecuária, independentemente do seu poder económico e nível social. Se tratava pois, de um conjunto humano muito estratificado do ponto vista sociológico, um facto bem evidente nas cidades de Portalegre e Elvas, onde se identificava uma aristocracia restrita e mais significativa na capital do distrito e uma alta e média burguesia cujos membros se cruzavam, por vezes, entre si, enquanto a pequena burguesia agrária era mais evidente nas pequenas vilas, como eram os casos de Marvão e Arronches. Relativamente às classes populares como já a afirmámos, correspondiam à maior parte dos indivíduos que formavam a base produtiva dos centros da raia e outros que na linha de fronteira se dedicavam ao contrabando e à vagabundagem como se comprova, através da análise da documentação da GNR que identifica vários indivíduos de Arronches, Campo Maior e Elvas : - Próximo artigo: - “Caracterização da aristocracia do Distrito de Portalegre”.

domingo, outubro 18, 2009

VII-Terras da Raia do Distrito de Portalegre:"Sociedade e realidades sociais"(2)



Atendendo ao modelo de organização económica social do distrito entre a Regeneração e a I República, observa-se algumas diferenças muito visíveis entre as populações das cidades e vilas da raia de Portalegre. Diferenças essas que se acentuam, em determinadas ocasiões, devido a uma serie de contrastes apreciáveis relativamente ao poder económico e rentabilidade do património correspondente às famílias das classes dominantes, o mesmo já não é tão observável entre as classes populares. No caso, da capital do Distrito, há que fazer referência a um conjunto de famílias pertencentes à nova aristocracia liberal que tendem a se aproximar de outras históricas e de “sangue”. Em Elvas a situação era diferente, uma vez que nas últimas décadas do século XIX encontramos uma serie de titulados com base na compra de títulos e a nobreza tradicional, era exclusivamente representada pela família da Marquesa de Penalva. Mas de acordo com os dados recolhidos na documentação oficial ao nosso alcance, ao largo da segunda metade do séc. XIX e nas três primeiras décadas de Novecentos a classe dominante foi sem dúvida alguma, a integrada pelos proprietários. Formava-se assim um grupo de médios proprietários, exactamente reconhecidos pela documentação pela designação de “proprietários”, tratando-se de um modo geral de uma serie de personagens que haviam construído o seu património com base no exercício de actividades comerciais. Alguns possuíam, inclusivamente, certas terras em propriedade comum ou fragmentadas ou alguns benefícios resultantes da produção manufactureira, no qual se incluíam algumas famílias de origem estrangeira, como eram o caso dos Larcher e Robinson de Portalegre. Outro grupo de proprietários que se integravam entre as elites locais, com influência notável nestas sociedades de fronteira eram os militares e os intelectuais, não só devido à sua formação académica, mas também como resultante de um conjunto de patrimónios igualmente variáveis e que podiam ser agrários, granadeiros ou comerciais. Os primeiros eram sem dúvida, homens unidos por laços familiares ao conjunto de proprietários rurais, muitos dos quais descendentes directamente de algumas personalidades reconhecidas como negociantes ou comerciantes. De realçar que entre os militares nomeadamente de Elvas, havia o hábito de adquirir pequenas herdades de um modo geral na condição de rendeiros. Por outro lado, era nesta cidade que se encontravam alguns oficiais superiores do exército nacional com funções de comando no forte da Graça e Praça Militar, nesta época há que distinguir ainda o tempo dos brigadeiros e o tempo dos coronéis ou seja a época áurea (da monarquia constitucional) e a época de decadência (da I República). Por último, os pequenos proprietários que de um modo particular atingiam um numeroso grupo de proprietários na vila do Marvão como consequência de um espaço agrário deveras limitado e sobretudo com alto índice de partilha Os registos de testamento e de propriedade, demonstram que estes pequenos proprietários, trabalhavam a sua própria propriedade, na maior parte courelas e hortas e algumas parcelas de olival. Entre os pequenos proprietários não situação de riqueza diferenciada eram os titulares de mercearias das vilas e em Elvas ou os vendedores ambulantes (almocreves) que na transição para o século XX estava deveras representada na Vila de Arronches. (continua).

sexta-feira, outubro 16, 2009

Reflexões sobre o Nosso Tempo



Reflexões sobre o Terceiro milénio, é o tema de uma breve entrevista , de uma série que publicaremos sobre testemunho de historiadores de referência da historiografia do nosso tempo. Por hoje algumas ideias do melhor historiador português de História Medieval, Licenciado em Filosofia (1957) e Doutor com a tese “Le monachisme ibérique et Cluny. Les monastères du diocèse de Porto de l'an mille à 1200” (1963), Professor Doutor José Mattoso, Catedrático Jubilado, observa o terceiro milénio com preocupação. “Se continuarem a desenvolver-se certos fenómenos de globalização da economia, com a reconhecida incapacidade que o homem tem para se defender de alguns fenómenos, as consequências poderão ser dramáticas. Todas as mutações que conhecemos até aqui incidiam numa parte do planeta. Agora abrangem o conjunto da humanidade. A disparidade entre os países desenvolvidos e os sub-desenvolvidos é de tal modo grande, que isso dificilmente deixará de ter consequências funestas. Os mecanismos que levam a que exista cada vez maior concentração de poder nas mãos das grandes empresas e a necessidade de conceber estratégias para preservar esses poderes levam à exclusão de grandes massas de homens, não só no terceiro mundo, mas também nos próprios ditos civilizados”. Sobre a capacidade de controlar essa mudança? “A humanidade tem-se “safado” sempre (risos). Com custos óbvios, mas a verdade é que tem sobrevivido e ultrapassado as maiores dificuldades. Mas, de ponto de vista racional, dá ideia de que o egoísmo de cada pessoa: possuir mais. É difícil perceber qual será a solução para isso. A não ser que as consequências sejam de tal modo desastrosas, que haja uma catástrofe social tão grande, que os homens sejam obrigados a rever esses mecanismos”. E os exemplos seguem-se: “ Os elementos que poderão desencadear tal catástrofe vão mudando. Por exemplo, há 30 anos tinha-se muito medo da bomba atómica. Actualmente, esse medo é menor porque se tem conseguido que os homens tomem consciência da dimensão dos efeitos nefastos contidos no engenho. A verdade é que não têm faltado ocasiões para utilizar, e isso não sucedeu. O mal que causaria a bomba atómica é demasiado evidente … Já as consequências do actual sistema económico são mais subtis e pulverizadas. A face luminosa da humanidade mantém-se à custa de um lado escuro. Para mudar o rumo da economia seria preciso que as grandes potências se entendessem entre elas ou que os excluídos tivessem capacidade reivindicativa, suficiente para obrigar a alterar o estado das coisas, para impor a justiça social. E não se vê como…Por fim e como humanista admite que o é no sentido global, mas “Sou bastante pessimista em relação à humanidade. Não é por causa do pecado original, é porque na História não consegui ver outras coisas. A Idade Média não foi uma época de justiça social. Os homens resolviam razoavelmente os seus problemas do quotidiano, mas não havia formas de diminuir o sofrimento. Foi uma época de intenso sofrimento para a classe trabalhadora. Não foram as crenças e o grande peso da religião que minimizaram a injustiça social. Quando se procura caracterizar a sociedade em conjunto, os movimentos de altruísmo e o sentido colectivo são de tal forma excepcionais, que não pode considerar-se esses movimentos como aqueles que comandam a humanidade. Sou optimista na medida em que, apesar de tudo conduzir ao egoísmo, continuarão aparecer, nas circunstâncias mais inesperadas e irracionais, movimentos de altruísmo e de capacidade de luta.


terça-feira, outubro 13, 2009

VI -Terras da Raia do Distrito de Portalegre " A Sociedade e as realidades Sociais"(1).

Considerações Gerais: A sociedade que se desenvolveu nos principais centros transfronteiriços do distrito de Portalegre, como de resto na sociedade portuguesa de Oitocentos conheceu ao largo do período objecto de análise, novos critérios de evolução social que estavam então em pleno desenvolvimento desde a Revolução Liberal de 1820. Fruto desta circunstância revolucionária, não só se verificou a valorização de valores como a riqueza e o saber, enquanto que elementos básicos de diferenciação social como, os privilégios jurídicos tradicionais foram praticamente eliminados, com o devido reflexo no peso territorial e económico de uma aristocracia tradicional residente no distrito ou exterior a ela, mas com bens fundiários na região. Nascia, assim, uma nova forma de hierarquização social de baseada essencialmente na desigualdade da partilha de benefícios económicos, de posse da terra por aquisição e que iniciava de um modo particular, o controlo dos meios de produção. Esta realidade social, era uma consequência da distribuição singular da propriedade agrária, factor principal das grandes desigualdades económicas observáveis numa sociedade de base camponesa em que a maioria dos seus componentes estava directamente ligada aos trabalhos no campo, em tarefas agrícolas e pastoris. Todavia esta situação estava em plena mudança na transição para o século XX, mercê do desenvolvimento de novas profissões relacionadas com os transportes públicos e com o avanço dos transportes. De um modo especial nas cidades do distrito já que apesar das novidades que as novas profissões traziam as gentes residentes nos meios urbanos, as vilas da raia continuaram mantendo até ao primeiro terço de Novecentos a prática agrícola como a actividade agrícola como podemos comprovar pelo quadro apresentado.
Distribuição dos activos por sectores económicos em (%) na vila do Marvão.
Sectores
1870
1890
1900
1911
1930
Primário
77.3
76.8
80.0
78.0
77.0
Secundário
18.8
19.2
15.5
15.0
14.0
Terciário
3.9
4.0
4.5
7.0
9.0
Nos núcleos rurais e apesar de não haver coincidência nas series estudadas a situação do Marvão, repetiu-se com diferenças mínimas nas vilas de Arronches e Campo Maior, ao largo da segunda metade do século XIX. Observou-se que a perda de efectivos no sector primário durante as décadas de 1870 e 1890 provocou um certo retrocesso do contingente sectorial, como resultado provável das crises agrícolas que se manifestaram na produção agrícola que se viveu em todo o sul de Portugal. De facto, não podemos esquecer os reflexos da forte crise agrícola e pecuária nestas décadas, como resultado da concorrência do trigo norte-americano ou da chegada das peles oriundas da América Latina, com consequências directas nas explorações agrícolas da região devidamente comprovadas pela baixa de preços nos mercados dos municípios fronteiriços. Assim, só na última década do séc. XIX, se assistiu a um visível crescimento da população activa agrária, uma vez superada a crise precedente, com a reactivação dos sectores agrícolas e pecuários mais exactamente. No sector secundário, a vila de Arronches chegava aos 15.7 % na viragem do século quando aquela realidade administrativa distinguia-se por um conjunto de médios proprietários que se dedicavam ao aluguer de apetrechos agrícolas e um pequeno grupo de almocreves distinguiam-se no conjunto das vilas com tal actividade económica. A vila de Campo Maior no sector era sem dúvida a menos representativa tal como o sector terciário que desde finais do século XIX era mais expressivo no Marvão em parte pelo impacto dos funcionários ferroviários sediados naquela vila ao serviço da Linha de Cáceres. Mas é necessários termos em consideração a documentação relativa à década de 1930 para podermos comparar a realidade distrital.
Distribuição dos activos por sectores económicos em (%) nos centros populacionais da raia de Portalegre
Primário
Secundário
Tercário
Marvão
77
14
9
Portalegre
71
19
10
Elvas
68
29
13
Arronches
79
15
6
Campo Maior
82
12
6.1
Média
75
18
7
E se é certo que o sector primário continuava sendo o sector de actividade económica mais representativo em todas os espaços populacionais do distrito, as realidades agrícolas das vilas de Arronches e Campo Maior, eram as áreas agrícolas mais representativas da raia distrital. Uma vez que o desbravamento das terras durante a Campanha do Trigo corresponderam a novos arroteamentos ainda que os grandes proprietários fossem exteriores a essas realidades municipais. No caso de Arronches, muitas das herdades estavam nas mãos de alguns proprietários de Portalegre como os Castelo Branco e alguns poucos de Elvas como era a Casa Agrícola dos Rasquilhas que possuíam algumas das melhores propriedades locais como a da Contenda. No caso de Campo Maior tal como em Elvas, era tempo de afirmação dos arrendatários, que se tornariam ainda durante o Estado Novo como grandes proprietários, caso dos Corado, dos Minas e dos Rosados. O sector secundário a cidade de Elvas era de longe o núcleo mais importante graças a afirmação do seu comércio desde finais da década de 1890 quando as principais casas comerciais da capital tinham os seus agentes no referido núcleo urbano, tal como nas principais cidades portuguesas da metrópole. O sector terciário concentrava-se nas cidades de Portalegre e Elvas, com base no funcionalismo público crescente desde a implantação da I República e na presença militarizada e policial que no caso de Elvas líder do sector, com 13% dos quais 6% correspondia à sua população militar ( Continua).

sábado, outubro 10, 2009

2.9 -Elvas Portuguesa: -Notas históricas sobre a Igreja Medieval



As armas e a fé percorreram os caminhos da reconquista cristã e a cada povoação conquistada e repovoada, correspondia novas almas, cuja aglomeração populacional no espaço, era fundamental para a constituição de novas paróquias ainda mesmo antes da integração definitiva das mesmas nas suas dioceses definitivas. Não é por acaso que a carta episcopal do Bispo da Guarda exortava na longínqua primavera de 1260, a comunidade cristã de Elvas a reconhecerem como seu Bispo, o mais alto dignitário da Sé de Évora. As causas, as dúvidas e as posições da vila de Elvas, relativas à sua integração na diocese de Évora não são conhecidas no actual momento de investigação histórica, mas dois anos depois o Bispo de Évora exercia a sua jurisdição administrativa em terras elvenses quando confirmava a doação da Igreja de Vila Boim a João Aboim, constituindo então a primeira paróquia fora do núcleo de povoamento primitivo uma vez que outra povoação nas mesmas circunstâncias a vila de Barbacena só atingiria tal dignidade uma década mais tarde. Em Elvas, as primeiras paróquias são anteriores a meados do séc. XIII como a de S. Pedro, fundada em 1227 como se comprova na leitura paleográfica do seu portal e por volta de 1267 as paróquias de Santa Maria e de e de Alcáçova, são já referenciadas com locais de culto e de serviço aos fiéis. No caso, da paróquia de Santa Maria da Alcáçova, as dúvidas são inexistentes considerando que o primeiro templo cristão, edificado sobre as ruínas da provável mesquita (?), está datado para os primeiros dias do ano de 1241. A paróquia do Salvador, mais tardia de meados ou inícios do séc. XIII, cuja igreja constituía um Priorado da Casa de Bragança e regista como seu documento mais antigo um foro datado de 12 de Janeiro de 1273. Da época posterior à reconquista da vila de Elvas outros templos integravam a jurisdição da ordenação paroquial, como as Igrejas de São da Corujeira que a tradição refere como o ponto onde se gerou a ofensiva para a reconquista de Elvas e profundamente alterada pelas obras setecentistas, após a perda da sua torre e parte da sua estrutura (alçados) por volta de 1840. A Igreja da Madalena que se perdeu para a eternidade, onde na época Moderna se edificou o Convento das Dominicanas e a Capela de Nossa Senhora dos Bem Casados, datada sem confirmação para a época de D. Afonso IV, não resistiria às prioridades urbanísticas do desenvolvimento imprimido em meados do século XX pelo município. Sendo uma das primeiras referências da devoção popular, cuja confraria foi reconhecida por bula papal de 1348, foi um exemplo típico da expansão nas paróquias primitivas que permitiam a edificação dos espaços religiosos ainda que dependente da sede da Igreja paroquial. Mas o período medieval em Portugal como um pouco por todo Ocidente foi marcado por uma nova vaga de espiritualidade que aproximou de forma particular as populações urbanas e rurais do ardor evangélico que os tempos medievais então determinaram na visão e concepção do homem medieval. Era o tempo das ordens mendicantes que traziam uma nova mensagem de contenção relativamente aos bens e prazeres materiais, em Elvas a Ordem de São Domingos enquadrava-se nesse âmbito e sedeada na paróquia do Salvador foi durante quase toda a medievalidade o maior complexo arquitectónico religioso. A sua aceitação junto da população, manifestava-se no âmbito do desprendimento das “coisas do mundo” numa época em que o espírito cristão era um sentimento permanente gerado no âmbito da “cruzada da reconquista.” A presença dos monges é documentada oficialmente por volta de 1267 quando por cata régia de 20 de Fevereiro lhes foi doada a Ermida de Nossa Senhora dos Mártires e permitida a sua licença para esmolarem em Badajoz numa fase em que o Igreja, Convento e Hospedaria estava em construção iniciada um ano antes com a doação do terreno para o mesmo fim. A realidade assistencial era outra função extensiva aos espaços religiosos considerados, como eram o caso das albergarias e/ou hospícios anexas os templos: dos Mártires, S .Pedro, Madalena, do Salvador ou do Convento de São Domingos, com dupla função de hospício e de albergaria, no acompanhamento e no apoio solidário, na doença e em especial nas épocas de surtos epidémicos ou na guarda e protecção dos viajantes que para a capital e da mesma, atravessavam as terras de fronteira. De um modo geral, na vila de Elvas o clero medieval centrava-se em duas categorias o paroquial ou regular seja predominava o baixo clero, o paroquial ligado ao direito do padroado e o obrigado a diversas contribuições ao bispado, entre elas o sinodático (Pago em sujeição ao seu bispo, e normalmente em cera); a visitação (Pago em géneros, quando o prelado fazia visita canónica) e a lutuosa (Pago por morte dos religiosos segundo os bens do defunto). O que contribuía para a pobreza do clero paroquial que não tendo bens de raiz, o tornava mais próximo, das formas de vida e preocupações materiais dos seus paroquianos. No clero regular, a situação de desafogo económico ou material, dependia da ordem e do mosteiro em que pertenciam, no caso elvense, a opção pela pobreza justifica toda e qualquer referência relativamente ao retiro espiritual dos frades dominicanos. Todavia nos primeiros tempos do “repovoamento e colonização” do espaço territorial da vila de Elvas, não podemos esquecer o papel da Ordem de Alcobaça que então possuía algumas herdades ou mais tarde na época dos trezentos a Ordem de Cristo que também possuía algum património enquanto instituição espiritual da Casa Senhorial do Infante. Mas, se é verdade que a Igreja Medieval em Elvas, rica no património construído e pobre nos protagonistas espirituais, também é certo que as paróquias locais foram enriquecendo com base nas suas receitas próprias, pregações, missas e ofertas, mas sobretudo através dos testamentos em especialmente a partir de fins do séc. XIV, quando a fidalguia local, doava frequentemente, terras (olivais) e casas de moradas que preenchiam o rol dos seus bens materiais , mas também algumas fortunas como as doações em metal precioso que podemos comprovar na doação de Lourenço Annes Mafalgo, (ANTT, Testamento, 20/1337) em que o mesmo lega à Igreja de Santa Maria dos Mártires, “o valor de 100 meravadis para a obra da igreja e 50 para os frades” ou ainda “ as trezentas drobas, três taças de prata e outros bens em material precioso”