segunda-feira, maio 25, 2009

Notas históricas sobre acção fiscal e policial em terras de fronteira.






[1]Documentação do Arquivo da GNR-B. O. Nº2 – 1884- pp.63
[2] Arquivo da GNR - B.O. nº7 - pp.278
[3] Instruções de Contrabando –GNR, nº15,1920
[4] Instruções de inspecção de malas, GNR,pp.12
[5] Ob. Citada, pp. 12
[6] Ob.Citada, pp. 7
[7]Processo nº463 – B.O. – Guarda Fiscal nº6.- pp.228



História Local e regional. O Contrabando percorre toda a história da raia do Caia e Guadiana, era uma prática corrente e fundamental na vida quotidiana de durante a época contemporânea. Esta prática envolveu homens e mulheres de ambos os lados da fronteira do Caia, a norte da Vila Campo de Campo Maior em Arronches e a sul desde proximidades da alfândega do Caia [ Elvas] até aos limites do concelho do Alandroal, através de pontos de passagem ao longo do Guadiana como a cumplicidade indirecta dos proprietários das herdades da margem do maior rio do sul de Portugal.Se no séc. XIX a prática do contrabando era uma forma de sobrevivência para as populações raianas quando escasseava o trabalho agrícola e nessa perspectiva, era comum o “exercício” do tráfico em troca de produtos alimentares de primeira necessidade, aliás muitos homens e de algumas mulheres que se dedicavam ao contrabando, tinham no seu passaporte como profissão real, a designação de mendigo.Em Portugal os contrabandistas chegaram a ser pagos em moeda de prata, isto em 1891. Nesses tempos a situação financeira na Espanha era bem pouco lisonjeira, a sua moeda estava desvalorizada com taxas de inflação elevada. Esta actividade clandestina tomou grandes proporções embora continuando a representar um grande desafio à morte. Eram poucos os que eram apanhados no contrabando, o número de contrabandistas crescia aceleradamente na fronteira portuguesa, e em especial na vila de Campo Maior. A “indústria” do contrabando foi-se regularizando aos poucos e tornou-se numa autêntica instituição.Os contrabandistas campomaiorenses iam a Espanha comprar algodões, lãs e sedas, para venderem esses produtos a preços mínimos, no nosso território. Consagravam-se com devoção a sua arriscada profissão e tinham como patrono o bondoso São João Baptista.Esta vida arriscada, justificava-se pela sedução pelos lucros mais ou menos fáceis que de Espanha podiam trazer. O contrabandista ia até ao país vizinho, donde trazia carregamentos de chocolate, rebuçados, sabonetes, tecidos baratos, tabaco e os conhecidos isqueiros de cordão amarelo .Andavam de terra em terra, tentando “despachar” a mercadoria a mercadoria o que geralmente acontecia devido ao preço baixo dessas mercadorias. As razões que podem explicar o aumento de contrabando ao longo da fronteira do Caia e em especial nas margens do rio Guadiana, constituíam uma fronteira aberta em quase toda a sua área a sul da Ponte de Olivença, por lado a nova força policial constituída não tinha então grande experiência; 2º A falta de efectivos policiais que só era reforçada com a presença dos militares da Praça Militar durante o chamado Cordão Sanitário que era levantado durante as chamadas epidemias de Cólera Morbos que apareceram diversas vezes durante o século XIX. ; 3ºO desconhecimento de caminhos, técnicas de passagem e códigos entre os contrabandistas.4º A falta de colaboração entre as populações e policiais nas zonas de contrabando, por vezes mesmo. No com o trânsito automóvel e novas técnicas o contrabando é outro, feito por contrabandistas de características bem diferentes daqueles que se viam nessa altura. Ou seja não é já realizado por gente modesta e os meios utilizados são por vezes muito sofisticados como provam as detenções reveladas pelos meios de comunicação social. Na região do Caia e Guadiana, a forma de controlo e vigilância, organizava-se com base na cobertura de toda a raia através de postos fiscais, sendo o mais importante o de Elvas, situado inicialmente na estação e a cerca de 8 Km. da fronteira propriamente dito. Soube a sua jurisdição estava os postos das vilas de Campo Maior, Alandroal e Marvão, cujo funcionamento se verificava até 1892, das 9hoo até às 15 horas. Até a essa data, a fiscalização dos postos não era considerada rigorosa e por vezes não funcionava, só depois de 1895, com o desenvolvimento progressivo de trânsito da Linha-férrea chamada de Leste é que tal fiscalização se tornou eficiente por razões de natureza proteccionista. Já em meados do século XX, com as chamadas operações de STOP na estrada nacional e nas regionais próximas da raia é que praticamente se alargou a fiscalização para zonas que até então não eram objecto de controlo.Uma das grandes preocupações da polícia fiscal, enquanto força policial da GNR, centrou-se no controlo dos caminhos do contrabando e na actividade de regulação dos procedimentos fiscal. Nesta perspectiva, o chefe de secção deve localizar onde se situam as rondas volantes, os guardas e a duração dos serviços. As descobertas ou pesquisas, eram muito comuns nas margens do rio Guadiana e consistia em esperar pela passagem dos contrabandistas em locais estratégicos e camuflados, na maior das vezes eram feitos ao amanhecer, mas nem sempre coroados de êxito. Porém as marcas dos cascos das éguas ficavam gravadas nas zonas de passagem e eram mais visíveis quando se tratavam de movimentos em grupo, os maiores referidos nos relatórios da GNR , chegavam a cerca de uma dúzia. Esta situação era aliás muito corrente ou seja o número de casos conhecidos ou referenciados, pela autoridade era muito inferior quando se compara com os recursos ordinários da GNR, que transcrevem o número de indivíduos que iam a julgamento nos tribunais civis. Porém com o emprego de armas de fogo e do reforço das patrulhas a cavalo o número de detenções aumentou em função dos casos conhecidos mas não significa uma redução efectiva do contrabando, o que acontece é que os contrabandistas vão utilizar novos caminhos uma vez que em 1900, a policia fiscal regista cerca de 70 contrabandistas cuja naturalidade é na sua maioria portuguesa. Com o aparecimento das armas de fogos, a violência tornou-se uma realidade envolvendo tiroteios entre contrabandistas portugueses e a Guarda Civil e a GNR e contrabandistas espanhóis, contribuindo para um tipo de contrabandista maias destemido e sobretudo mais jovem, capaz de se mover rapidamente perante a sua descoberta. Este tipo de vigilância ao contrabandista permitiu que diminuísse a sua captura ao contrário da carga que era abandonada rapidamente para uma fuga mais ágil. Mas ao contrário, do que seria lógico, à medida que o controlo das margens do rio Guadiana se torna mais eficaz, os contrabandistas nas décadas de 40 e 50, passam a “monte” , cada vez mais próximos do posto do Caia, o que provocou uma grande contestação dos grandes proprietários das herdades próximas, uma vez que a passagem dos contrabandistas que abandonaram as rotas do Guadiana, com a utilização do fogo destruíam na sua passagem grande área cerealífera. As rondas e as patrulhas, durante a monarquia constitucional era feita por homens a cavalo, depois da Guerra Civil de Espanha intensificou-se a utilização de veículos motorizados, as motas que circulavam as áreas limites dos postos mantiveram-se no caso Espanhol até ao fim das barreiras alfandegárias. A diferença entre rondas e patrulhas, situava-se no período de actividade as patrulhas eram um serviço ordinário próximo de um posto fiscal efectuado por um sentinela e em período diurno. As rondas ocorriam quase sempre pela noite e era considerado um serviço ordinário. As “diligências especiais” eram consideradas um serviço extraordinário e quando as forças policiais tinham a informação de que iria ocorrer a passagem de um ou mais contrabandistas. Para o sucesso destas operações da polícia da GNR, o chefe de secção devia ter na sua acção de comando as seguintes preocupações : [1]1ºInstruir os soldados nos seus deveres fiscais ;2º Velar pela segurança e disciplina dos soldados ; 3 º Verificação do uniforme e armamento a todo o pessoal que sai do quartel em serviço.4 º Não permitir que alguém saia do quartel em serviço. 5º Vigiar o asseio e limpeza, do quartel, mobília, utensílios, armamentos e roupas do pessoal sob as suas ordens. Era também o chefe de secção que definia, a marcação das áreas de contrabando, os locais de vigilância e a criação de itinerários, cujo objectivo era de controlar e evitar movimentos de pessoas ou grupos considerados suspeitos. O certo é que com frequência as forças da ordem era induzidas em erro pelas populações que viviam nas herdades próximas das zonas de contrabando, através de informações falsas, por isso mesmo o sistema de recompensas dadas pelas autoridades favorecia a apreensão do contrabando, muitas vezes escondidos nos moinhos do Guadiana. Por outro lado, as veredas utilizadas pelos contrabandistas na transição para o século XX eram muitas vezes ocultadas por materiais florestais, que quando descobertos eram regularmente mudados Mas a polícia fiscal tinha ainda outras funções como o encargo de: a) Fiscalizar todos os locais onde se depositem, venda e armazenagem, de géneros sujeitos ao imposto real de água. b)Fiscalizar os tabacos nas fábricas, nas lojas casas de venda e depósito. c)A polícia fiscal poderá também acompanhar o serviço de contribuições directas conforme as ordens e instruções dos inspectores de fazendas[2]. No final do séc. XIX em 1898, face a uma maior circulação de pessoas e em especial mulheres a policia fiscal, criou a função de apalpadeiras, que era exercida por viúvas de antigos soldados da guarda civil que evitavam assim a passagem corrente de artigos e de produtos que eram transportados de forma oculta pelas mulheres que até então não eram objecto de qualquer fiscalização revista mais apertada como se verificava relativa mente ao sexo masculino.No século XX com o desenvolvimento do trânsito automóvel, outras formas de fiscalização tornam-se mais comuns e necessárias, como a verificação dos fundos das malas, uma vez que o contrabando também se fazia através das bagagens.De facto as malas eram um meio “utilizado pelos contrabandistas para a introdução de drogas ou outro contrabando”. Algumas de essas malas tinham várias formas de utilização “ tanto no seu interior como exterior”. A forma mais corrente era a utilização de um fundo falso, que apresentava um forro cuidadosamente feito ou uma cobertura interior do cartão. Dentro se põe os produtos de contrabando e prende-se com material adesivo. A seguir volta-se a colocar o forro “ colando-se ou cozendo-se»[3]. Por vezes os funcionários alfandegários recebiam informações de outras alfândegas, nomeadamente estrangeiras como a de Honolúlú. Uma vez que, alguns traficantes escondiam “ … heroína nas pregas de madeira das malas, pregadas com pregos”[4]. Esses funcionários recebiam também informações internacionais como do Líbano onde os traficantes “ …escondiam sacos de haxixe em pregos de cabeça grande feitos de plástico, assim podem adaptar, como adorno, no exterior de sacos de bolsos[5]”. Relativamente ao contrabando através das malas verificava-se algumas alterações: “ … a mais difícil era no exterior duma mala para conter drogas. Esta modificação teria que ser feita por profissionais, de maneira que não fosse fácil de detectar pelos funcionários alfandegários»[6] A partir de 1974 o contrabando tornou-se mais intenso com base nas malas em parte porque o país ao adoptar o regime democrático acabou por ser menos rigoroso na fiscalização dos produtos em trânsito, relativamente à situação vivida durante o Estado Novo. Contudo a noção de contrabando, passou a ser agravada com o decreto – lei de 187/83, até à entrada de Portugal na comunidade europeia, de facto o artigo 10.º, previa, o contrabando qualificado nas seguintes condições:1. For cometido de noite ou em lugar ermo ou com uso de armas ou com emprego de violência ou por duas ou mais pessoas; 2. Tiver por objecto mercadorias de importação ou exportação absolutamente proibidas 3. For cometido com alteração, viciação ou falsificação de bilhetes de despacho ou de quais quer documentos aduaneiros ou outros apresentados às alfândegas.4. For cometido como corrupção de qualquer empregado do Estado. Como já observamos nesta reflexão sumária o contrabando foi uma das actividades mais comuns na vida das comunidades fronteiriças. Nesta perspectiva a organização dos recursos entregues nos tribunais organizavam-se da seguinte forma: um militar da guarda fiscal denunciava as ocorrências do contrabando ao comandante da secção do respectivo distrito, vila ou distrito. As denúncias de contrabando ou “delito de descaminho” mais comuns eram: contrabando de tabaco, fazendas, bebidas alcoólicas e fardos de palha[7].Estes dossiers eram também muito ricos em informação diversa, definiam o tipo de transgressor, até 1930 data da sua publicação nos postos fiscais, verifica-se as seguintes designações mais comuns para designar a actividade dos contrabandistas: “marginal” , “mendigo”, “pastor”. O motivo de suspeita da sua detenção, era outro elemento informativo referindo o tipo de carga e peso. O local e a hora da actividade criminosa assim como a identificação do agente policial que tinha ordenado a voz de prisão constavam nestes dossier, verdadeiros testemunhos da actividade de contrabando na fronteira portuguesa. Postado por Arlindo Sena